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Teologia: Ministério Ordenado

Série: Que todos sejam um: uma conversa sobre o Ecumenismo – Teologia parte 1

Artigos

11.03.2024 08:00:00 | 12 minutos de leitura

Teologia: Ministério Ordenado

Padre Rafael Pedro Susrina, psdp

O Ministério Ordenado permite que a missão confiada por Jesus Cristo aos seus apóstolos continue sendo exercida na Igreja até o fim dos tempos. Jesus na pregação ao povo de Israel, proclamou a mensagem da Boa-Nova chamando todos para O seguirem. Do grande número de discípulos escolheu doze para o seguirem de forma próxima, na comunhão com Ele e assim participarem de sua missão, como é narrado pelo evangelista Marcos: “Depois subiu a montanha, e chamou a si os que ele queria, e eles foram até ele. E constituiu doze, para que ficassem com ele, para enviá-los a pregar, e terem autoridade para expulsar os demônios” (3,13-15). O texto do Conselho Mundial de Igrejas (1982, n. 11), sobre o Batismo, Eucaristia e Ministério, também realça a mesma missão e Ministério:

Cristo, que escolheu e enviou os apóstolos, continua, mediante o Espírito Santo, a escolher e chamar pessoas para o ministério ordenado. Como arautos e embaixadores, os ministros ordenados representam Jesus Cristo para a comunidade e proclamam a sua mensagem de reconciliação. 

Instituindo assim o Sacramento do Ministério Apostólico – Ministério Ordenado – Ministério Eclesiástico. A Constituição hierárquica da Igreja, de acordo com o Decreto Presbyterorum Ordinis (1965, n. 2), afirma que:

O mesmo Senhor, porém, para que formassem um corpo, no qual ‘nem todos os membros têm a mesma função’ (Rm 12,4), constituiu, dentre os fiéis, alguns como ministros que, na sociedade dos crentes, possuíssem o sagrado poder da Ordem para oferecer o Sacrifício, perdoar os pecados e exercer oficialmente o ofício sacerdotal em nome de Cristo a favor dos homens. E assim, enviando os Apóstolos assim como Ele tinha sido enviado pelo Pai, Cristo, através dos mesmos Apóstolos, tornou participantes da sua consagração e missão os sucessores deles, os Bispos, cujo cargo ministerial, em grau subordinado, foi confiado aos presbíteros, para que, constituídos na Ordem do presbiterado, fossem cooperadores da Ordem do episcopado para o desempenho perfeito da missão apostólica confiada por Cristo. 

Jesus Cristo constituiu os bispos participantes de sua consagração e missão, por meio dos Apóstolos, de que são sucessores. Os bispos transmitiram o múnus de seu ministério, em grau distinto, a pessoas diferentes na Igreja: aos padres e diáconos, e a outros bispos. Sendo a missão específica do Ministério Ordenado congregar e construir o Corpo de Cristo, através da proclamação e do ensino da Palavra de Deus, pela celebração dos Sacramentos e orientando a vida da comunidade na Liturgia, Missão e Caridade. 

Na celebração Eucarística, Cristo une, ensina e alimenta a Igreja. Cristo é quem convida à mesa para a refeição e a preside. Essa presidência em diversas Igrejas cristãs é realizada por um ministro Ordenado que O representa. A autoridade para tal missão está enraizada em Jesus Cristo, recebida pelo próprio Pai e conferida no Espírito Santo através do ato da Ordenação. Autoridade que é dom de Deus a serviço de toda a comunidade. Pois Cristo é o único sacerdote da Nova e Eterna Aliança. Todo aquele que é batizado participa do sacerdócio de Cristo, ou seja, oferece e intercede pela Igreja e pela salvação do mundo. Todo ministro Ordenado participa do sacerdócio ministerial de Cristo, ou seja, o Ministério Ordenado está em relação com a realidade sacerdotal de Jesus Cristo e da comunidade. 

O Ministério Ordenado para os Católicos e os Ortodoxos, na origem e forma estão essencialmente vinculados ao seu caráter sacramental, passam do comum não apenas quanto ao grau, mas também quanto a essência, com um caráter que configura o ministro da Igreja com Cristo sacerdote: In persona Christi. Já as igrejas da Reforma enfatizam a liberdade do Espírito Santo para conferir os seus dons a todos os fiéis, constituindo assim um povo sacerdotal. Todos participam do sacerdócio de Cristo. Dessa forma, “a Ordem é secundária em relação ao Batismo, e não constitui, em sentido estrito, um sacramento, mas ‘um artigo de fé e de ordem’” (WOLFF, 2002, p. 320). Pois o ministério ordenado do não-ordenado é a função exercida na comunidade. Por isso “há somente um ministério: o de testemunhar o Evangelho de Cristo. Todos os outros ministérios criados pela Comunidade ou Igreja, devem estar a serviço daquele” (IGREJA EVANGÉLICA DE CONFISSÃO LUTERANA NO BRASIL, 1985, p. 11). A comunidade é que elege e reconhece o ministério ordenado, e mesmo que se exista um rito de ordenação, a função específica do ministério não depende dele, mas das necessidades da comunidade. 

As Igrejas derivadas da Reforma não reconhecem como Sacramento. Entre os teólogos protestantes, prevalece a doutrina de não reconhecer a Ordenação dos ministros o caráter de verdadeiro e próprio Sacramento, embora a prática das diversas Igrejas seja constante e comum, no sentido de celebrar um rito de instituição dos pastores, mediante a imposição das mãos (exemplo: Luteranos). E o rito é conferido uma única vez na vida, nunca sendo repetido, nem mesmo após um afastamento do exercício do Ministério, para a reintegração nele. 

As Igrejas Orientais não possuem diferenças substanciais com a Igreja Católica na compreensão do Ministério Ordenado. Após a Constituição Apostólica Sacramentum Ordinis, de Pio XII (1947) não há mais nenhuma discrepância entre católicos e ortodoxos em relação a matéria, e a Igreja Católica reconhece a validade das ordenações orientais. O único ponto de divisão é o papel da autoridade do Romano Pontífice ante os demais bispos.

Na doutrina Católica, Ortodoxa e Anglicana a estrutura do Ministério Ordenado tem forma tripartida e hierárquica, formada por bispos, presbíteros e diáconos. A qual o bispo possui à plenitude do Ministério da Ordem, como o princípio visível e o fundamento da unidade da Igreja particular a ele confiada. Nas outras Igrejas há uma estrutura do ministério particular, não de forma tripartida e nem realçando a hierarquia como fato constitutivo da natureza do Ministério. O realce está na função do ministro na comunidade, e não o ‘grau’ do Ministério Ordenado em si. Nasce assim a questão da sucessão apostólica.

As Igrejas que estabelecem o ministério como Sacramento afirmam que sua estrutura pertence ao ministério deixado por Cristo às primeiras comunidades cristãs e transmitido às gerações posteriores. As demais Igrejas compreendem a estrutura do ministério como algo histórico, que pode variar no tempo. 

Na doutrina Católica e Ortodoxa, a sucessão se dá através da imposição das mãos do bispo na cabeça do ordenado durante o rito de ordenação, garantindo uma linha ininterrupta com a tradição das comunidades neotestamentárias e o caráter apostólico da instituição eclesiástica (CONSTITUIÇÃO..., 1964, n. 20). Nas demais Igrejas a sucessão apostólica é acentuada como sucessão na doutrina dos apóstolos, de modo que cada batizado é sacerdote para uma função. Por isso a maioria delas não conservou a estrutura episcopal do ministério, e não consideraram a Ordem como Sacramento. 

Teologicamente a posição Anglicana aproxima-se da Católica e da Ortodoxa, “afirmando possuir o episcopado histórico pela sucessão apostólica ‘como expressão da permanência, da continuidade da própria missão de Cristo na qual a Igreja participa. Esta sucessão é compreendida como serviço, símbolo e custódia da continuidade da fé’” (WOLFF, 2002, p. 325). Mas por causa da falta de continuidade na linha visível da sucessão apostólica (bispos validamente ordenados), pela falta de intenção suficiente ao excluir a vontade de ordenar para o sacrifício, e pela falta de forma suficientemente significativa a Igreja Católica considerou tradicionalmente como inválida, do ponto de vista sacramental, a Ordenação desses pastores. O Papa Leão XIII na Carta Apostólica Apostolicae Curae (1896) sobre as ordenações anglicanas, declara-as nulas por falta da intenção necessária e por insuficiência da forma. Nos últimos anos, a ordenação de mulheres na igreja Anglicana tornou mais difícil o diálogo ecumênico e a unidade entre as Igrejas.

A diferença existente entre os Ministérios nas Igrejas não é somente simbólica, mas institucional. Já que algumas constatam de forma inerente ao poder ministerial, afirmando o sentido peculiar dos Ministros Ordenados, dentro do poder e missão que Cristo confiou aos apóstolos. Outras percebem como algo de toda comunidade eclesial, sem distinção, no conteúdo da fé professada por todos os batizados.

Na doutrina da Igreja Católica, dentro do Ministério Ordenado, há também o primado do bispo de Roma, o qual exerce sua missão em continuidade direta com o ministério do apóstolo Pedro. O Papa Paulo VI, na Carta Encíclica Ecclesiam suam (1964), reconhece que essa questão é o principal obstáculo no caminho da unidade entre os cristãos. A base é Bíblica: Pedro, no seio da comunidade dos discípulos de Cristo e dos Doze, desenvolveu uma função e um ministério primordial (Jo 21,15-17), segundo a vontade do próprio Cristo, confiou a missão de “confirmar os irmãos” (Lc 22,32), dando-lhes “as chaves do reino dos céus” (Mt 16,19), a ponto de Jesus rezar para que a fé de Pedro não desfalecesse (Lc 22,32). Dessa forma, no colégio dos bispos é elevado o primado do Papa, bispo de Roma (PAULO VI, 1964, n. 21-23), o Sumo Pontífice que exerce o ministério da unidade de todo colégio episcopal. Além disso, exerce um ministério de autoridade doutrinal, quando ex cathedra, como supremo pastor e doutor do seu ofício, define, de modo infalível, uma doutrina de fé ou moral como um dogma para a vida da Igreja, com definições “irreformáveis por si mesmas” (PAULO VI, 1964, n. 25). Toda essa compreensão não é aceita pelas demais Igrejas, exceto a Igreja Anglicana que possui um posicionamento mais dialogal.

Os quais consideram que o primado pode ser entendido ‘do ponto de vista tradição, antiguidade, e do ponto de vista poder. Enquanto tradição, antiguidade, o primado é aceito pela Comunhão Anglicana. O que é questionado, em relação ao mundo romano, é o poder atribuído ao primado. Não se nega o primado do bispo de Roma. Seu papel, entretanto, deveria ser representativo, poderia ter uma ascendência na Igreja, mas não o poder’ (WOLFF, 2002, p. 336).

A questão nesse fato é de que o Papa não só representa, mas tem poder de jurisdição. E é nesse ponto que se concentra a discussão ecumênica. No interior da Igreja Católica procura-se entender cada vez melhor como pode ser desenvolvido o primado de Roma na Igreja. Através da redescoberta e aprofundamento da colegialidade episcopal e da importância das Igrejas locais, com a ênfase dada a necessidade de comunhão e a participação de todo o povo de Deus, com a renovada consciência de que é toda a Igreja que tem a assistência do Espírito Santo, e assim abrindo-se a sinodalidade. Por isso “muitos julgam que, historicamente, o estabelecimento do papado – para além de suas sombras e unilateralidade – trouxe resultados positivos, colocando em relevo a necessidade deste carisma na Igreja” (CAMBÓN, 1994, p. 209). 

No campo ecumênico torna-se decisiva a distinção entre o primado de Roma e a amplitude de sua possível forma de realização. Afirmar a necessidade deste serviço na Igreja não significa que ele deva necessariamente, e, em tudo, concretizar-se como historicamente se desenvolveu na Igreja Católica. 

As formas de realizar-se praticamente são mutáveis e devem sempre de novo ser verificadas, como insistiu muitas vezes o cardeal J. Ratzinger: ‘Pela história sabemos bem que o ministério da unidade, que segundo a nossa fé foi confiada a Pedro e seus sucessores, pode-se realizar de modos diversos. A história oferece modelos, mas naturalmente ela não é repetível; inspira-nos, mas devemos responder as situações novas’ (CAMBÓN, 1994, p. 210).

A questão do Ministério Ordenado torna-se um dos pontos nevrálgicos da divisão cristã, e as diferenças são: a qualificação da Ordenação como Sacramento; a permanência do caráter sacramental indelével no ministro Ordenado; a relação entre o ministro Ordenado e a comunidade; a qualidade sacerdotal (para o sacrifício) do ministério dos bispos e presbíteros; a insubstituível sucessão apostólica, através da imposição das mãos de um bispo devidamente ordenado; a exclusividade do ministério dos bispos e presbíteros na presidência da celebração eucarística e na administração do perdão dos pecados, através do sacramento da Penitência. 

As diversas Igrejas compreendem que o fim do Ministério Ordenado é servir a comunidade: proclamando a Palavra, celebrando o culto, administrando os sacramentos e reconciliando os homens com Deus. Em todas as confissões a hierarquia é responsável pela construção da comunhão (koinonia) e centro de liderança e unidade da Igreja. Em todas as Igrejas há um ministério específico, pastoral, ordenado, que se distingue do ministério ou sacerdócio comum dos fiéis, embora essa distinção não seja compreendida ou explicitada de igual modo. Por isso, conciliar as diferentes posições é a meta do diálogo ecumênico, possibilitando um mútuo reconhecimento no serviço prestado a única Igreja de Cristo.


Acompanhe a série de artigos:
Que todos sejam um: uma conversa sobre o Ecumenismo.
Que todos sejam um: uma conversa sobre o Ecumenismo - HISTÓRIA.
História: precedentes do Concílio Ecumênico Vaticano II.
História: Decreto Unitatis Redintegratio do Concílio Ecumênico Vaticano II.
Que todos sejam um: uma conversa sobre o Ecumenismo – TEOLOGIA.


Referências bibliográficas
CAMBÓN, Enrique. Fazendo ecumenismo: uma exigência evangélica e uma urgência histórica. São Paulo: Editora Cidade Nova, 1994. 223 p.
CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS, Comissão Fé e Constituição. Batismo, Eucaristia e Ministério. Lima, 1982. Disponível em: https://www.ecclesia.org.br/biblioteca/dialogo_ ecumenico/lima_1982_texto_ministerio.html.
CONSTITUIÇÃO dogmática: Lumen Gentium: sobre a igreja. Roma: [A Santa Sé], 1964. Disponível em: https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/ vat-ii_const_19641121_lumen-gentium_po.html.
DECRETO: Presbyterorum Ordinis: sobre o ministério e a vida dos sacerdotes. Roma: [A Santa Sé], 1965. Disponível em: https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_ council/documents/vat-ii_decree_19651207_presbyterorum-ordinis_po.html.
IGREJA EVANGÉLICA DE CONFISSÃO LUTERANA NO BRASIL. Nossa fé – Nossa vida: um guia de vida comunitária em fé e ação. 9. ed. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1985. 51 p.
LEÃO XIII (Papa). Carta apostólica “APOSTOLICAE CURAE”: sobre ordenações anglicanas. Roma: Libreria Editrice Vaticana, 1896. Disponível em: https://www.vatican.va/ content/leo-xiii/la/apost_letters/documents/litterae-apostolicae-apostolicae-curae-13-septembris-1896.html.
PAULO VI (Papa). Carta encíclica “ECCLESIAM SUAM”: sobre os caminhos da igreja. Roma: Libreria Editrice Vaticana, 1964. Disponível em: https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_06081964_ecclesiam.html.
WOLFF, Elias. Caminhos do ecumenismo no Brasil: história, teologia, pastoral. São Paulo: Paulus, 2002. 456 p.

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