Vivei à altura da vossa vocação
A vocação é um tema de importância ímpar e recorrente nas Sagradas Escrituras. No entanto, não é um estudo proposto com naturalidade nas escolas teológicas e carece de uma reflexão sistemática. Mesmo com diversas iniciativas, como os Congressos Vocacionais realizados no Brasil, ainda são poucas bibliografias sobre o assunto.
Vocacional
17.11.2021 11:29:43 | 9 minutos de leitura

Nas Sagradas Escrituras, desde o Antigo ao Novo Testamento, os autores sagrados apresentam a vocação como iniciativa divina. Entre os relatos da Bíblia encontramos o medo como um sentimento comum entre os vocacionados; talvez por não se sentirem à altura do chamado ou pela responsabilidade que cairia sobre eles caso não pudessem concluir a missão recebida (cf. Ex 4,10; Jon 1,1-3). Deus, porém, sempre se apresentou como aquele que conforta, dá força, acompanha e não abandona o vocacionado (cf. Gn 3,12; Is 41,10; Jr 1,-8; Mt 28,20; Lc 1,30).
Muitos ícones vocacionais bíblicos são conhecidos por todos nós. Podemos lembrar, dentre tantos outros: Abraão que recebe o mandato de deixar sua pátria e ir a uma terra desconhecida (cf. Gn 12,1-9); Moisés, convocado para libertar o povo de Deus da escravidão do Egito (cf. Ex 3,7-10); Jeremias, escolhido desde o ventre materno (cf. Jr 1,4-10); Samuel que, desde jovem servindo no templo, precisou fazer um processo de discernimento da vontade do Senhor (cf. 1 Sm 3,1-20); o profeta Jonas que recebe a missão de convocar o povo de Nínive à conversão (cf. Jn 1,1-2); Maria, escolhida para ser a mãe do Salvador (cf. Lc 1,26-38); os discípulos escolhidos por Jesus que deixaram tudo e o seguiram (cf. Mt 4,20; Mc 1,18); Paulo que, de perseguidor dos seguidores de Jesus passou a anuncia-lo (cf. At 9,1-18).
Num passado recente o tema vocacional estava mais voltado para o clero e a Vida Religiosa Consagrada. Vinculavam-se os “conselhos evangélicos” a estas vocações específicas. A partir do Concilio Vaticano II, na reflexão da Constituição Dogmática Lumen Gentium, encontramos uma abertura para a temática vocacional: Todos são chamados à plenitude da vida Cristã e à perfeição da caridade na Igreja, independente do estado ou ordem (cf. LG, n. 40). Na esteira desta realidade propomos como reflexão o tema “Vivei à altura da vossa vocação” como um exercício de pensar a vocação a partir da exortação de São Paulo aos Efésios procurando evidenciar como São João Calábria entendia a vocação da Obra.
O Apóstolo Paulo, ao perceber o perigo da falta de unidade na comunidade de Éfeso e a necessidade de pensar os diversos ministérios, faz a seguinte exortação: “Exorto-vos, pois, eu, prisioneiro no Senhor, a andardes de modo digno da vossa vocação a que fostes chamados: com toda humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros com amor, procurando conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4,1-3).
O tema da vocação era constante em São João Calábria. Ao analisarmos as cartas direcionadas aos seus religiosos ele a repete não menos de cento e trinta vezes. De modo especial, Calábria insistia com seus religiosos a viver à altura da sua vocação que a considerava “extraordinária”, “particular”, “grande”, “nobre”, “sublime”, “divina”, “remédio para a humanidade”. Dentre as expressões mais usadas por ele está a de considerar a vocação como “especial” ou “especialíssima” e “santa”.
São João Calábria não pensava a Obra como uma Congregação, mas como uma Família. Quando se fala em Obra, consideramos, portanto, todos os membros da Família Calabriana, ramos de uma mesma árvore. Nossa reflexão não se reduz apenas à vocação sacerdotal e religiosa, mas direciona-se aos irmãos externos, aos colaboradores, a todos os leigos que participam de alguma forma do cotidiano da Obra. Neste contexto, os leigos sempre fizeram parte da preocupação de São João Calábria que buscava mantê-los próximos e também vocacionados à Obra da Providência. Na Quaresma de 1946, ao escrever para os irmãos externos, Calábria mostra como os leigos podem viver à altura da sua vocação: “Também vocês, queridos irmãos externos, têm uma vocação especial: em sua família no trabalho, na profissão que vocês exercem, no ambiente de trabalho, quanto bem podem fazer!”.
Sabemos que a Igreja é rica em vocações, serviços e ministérios. Também na Obra, cada um em seu estado de vida tem sua vocação específica, mas, ao mesmo tempo, todos têm uma vocação comum. Mas qual é a final a vocação da família calabriana?
Encontramos resposta a esta pergunta em uma carta que Dom Emanuele Caronti, O.S.B escreveu ao Pe. Calábria aos 24 de abril de 1938: “Enquanto o mundo inteiro corre atrás das coisas da terra, devemos desejar apenas as coisas do céu, a santidade. Nossa missão é de mostrar a todos que o Espírito do Senhor se mantém na humildade, pobreza e abandono incondicional à divina Providência”. Para São João Calábria nossa vocação coincide com o espírito puro e genuíno da Obra considerado vital, assim como a necessidade do ar que respiramos: “Como o ar que penetra os seus pulmões curando e dando força, assim o pensamento de Deus, da sua providência, da grandeza da Obra e da sua especialíssima vocação penetre e invada todo o seu ser de cristãos e de religiosos, e os fortifique para combater até o sangue pelo reino de Deus e pelas almas.” (Agosto de 1928).
Viver à altura da nossa vocação é viver como “quer a providência”. Segundo Calábria, se vivermos assim, seremos felizes. Para isso, religiosos e leigos, busquemos consolidar sempre mais o chamado recebido por Deus (cf. 2Pd 1,10) esforçando-nos por discernir sua vontade em nosso cotidiano, sendo sal e luz, sendo “bons exemplo para todos”. Seguem algumas pistas de como consolidar nossa vocação e viver à altura do nosso chamado como membros de uma mesma família e pertencentes à Obra Calabriana:
VOCACIONADOS PELA INICIATIVA DIVINA
A Obra não é nossa. Foi Deus quem a suscitou. Cada um de nós, membros da família calabriana somos meros instrumentos nas mãos da Divina Providência. “Deus nos salvou e nos chamou com vocação santa, não em virtude de nossas obras, mas em virtude de seu próprio desígnio e graça. Essa graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos.” (2Tm 1,9).
VOCACIONADOS À SANTIDADE E A SANTIFICAR
O tema da santidade sempre foi muito constante nas admoestações de São João Calábria. Ele considerava a santidade pessoal como garantia do crescimento e da continuação da Obra. Encontramos em diversas cartas de São João Calábria como se alcança a santidade: “vivendo o espírito puro e genuíno da Obra, que é fé e abandono nos braços da divina Providência; pela vida interior, sendo reservatórios e canais; pela observância das Regras; modelando a nossa vida sobre a de Nosso Senhor Jesus Cristo, sobre a vida dos Apóstolos e dos primeiros cristãos; mantendo a reta intenção e a boa vontade de fazer o bem.”A vocação à santidade é universal. Segundo São Pedro, todos os batizados receberam uma fé de valor igual daqueles que receberam o ministério de Apóstolo (cf. 2Pd 1,1). Jesus, por seu exemplo e palavras convocou seus discípulos à santidade: “Se perfeitos, como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,28). A vontade de Deus é a nossa santificação. (cf. 1Ts 4,3; Ef 1,4). Se todos os batizados são chamados à santidade na Igreja (cf. LG, n. 39), muito mais os membros da Obra Calabriana. Que grande responsabilidade.
VOCACIONADOS À COMUNHÃO E À UNIDADE
A Constituição Dogmática Lumen Gentium define a Igreja como “um povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (LG, n. 4). Com esse entendimento de comunidade eclesial a vocação adquire dimensão trinitária e missão voltada à comunhão. A missão da Obra que somos todos nós é “compreender a responsabilidade que temos, vivendo como verdadeiros servos da divina providência, nutrindo a caridade e a unidade entre todos. Caso contrário, cada um de nós coloca um obstáculo às bênçãos de Deus” (CARONTI, 1938).Por outro lado, a vocação não pode estar fundamentada na busca de satisfações e realização pessoal. Antes, ruma em direção à abnegação de si, à defesa da vida, ao despojamento (cf. Jo 10,11;15,13). Mesmo que a vocação exija uma resposta pessoal a unidade e a comunhão são características essenciais do discipulado: “Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos se tiverdes amor uns aos outros.” (cf. Jo 13,35).
VOCACIONADOS A UM OLHAR DIFERENCIADO PARA A REALIDADE
A santidade não tem uma dimensão estritamente espiritual. Pois a verdadeira santidade não nos afasta da realidade. São Paulo em sua carta aos Romanos exorta: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito.” (Rm 12,2). Não se conformar ao mundo não significa afastar-se do mundo. Como cristãos e cristãs precisamos “ter os mesmos sentimentos de Cristo” (cf. Fl 2,5) buscando viver assim, ouviremos o “vinde Benditos de meu Pai” direcionado àqueles que não são indiferentes diante da fome, da sede, da nudez, ou tantas outras necessidades dos mais carentes (cf. Mt 25,34-35).
VOCACIONADOS A AMAR E SERVIR AOS MAIS POBRES
A nossa vocação é amar. Independente da nossa atividade específica na Obra, todos somos chamados a amar e a servir os mais pobres, desprezados, abandonados e excluídos: “as pérolas e o patrimônio da Obra”. Somos enviados como família calabriana a ir “onde nada haja humanamente a se esperar”. Amando e servido aos mais pobres viveremos a nossa vocação/missão: “Mostrar ao mundo que a Divina Providência existe; que Deus não é estrangeiro, mas é Pai, e pensa em nós, com a condição de que pensemos n’Ele e façamos a nossa parte, que é a de procurar em primeiro lugar o santo Reino de Deus e a sua justiça”.
Padre Osvaldo de Oliveira, Psdp.
Fonte: Revista A Ponte. Ed. 03,2020.
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