Tornar-se Cireneu: Uma Jornada de Compaixão na Semana Santa com o Papa Francisco
Na homilia do Domingo de Ramos, o Papa Francisco nos convida a viver a Semana Santa como verdadeiros Cireneus: acolhendo a cruz do próximo com compaixão e deixando que o amor redentor de Cristo transforme nosso coração.
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14.04.2025 15:37:28 | 8 minutos de leitura

No Domingo de Ramos, 13 de abril de 2025, a Praça São Pedro acolheu a solene celebração de abertura da Semana Santa. A homilia preparada pelo Papa Francisco foi lida pelo Cardeal Leonardo Sandri, Prefeito Emérito do Dicastério para as Igrejas Orientais, dada a impossibilidade do Santo Padre de pronunciá-la pessoalmente. Ainda assim, a força da mensagem ressoou intensamente, conduzindo os fiéis a uma reflexão profunda sobre o seguimento de Cristo à luz de um personagem muitas vezes esquecido na narrativa da Paixão: Simão de Cirene.
Um gesto ambivalente, um coração interrogado
Simão de Cirene surge no Evangelho como alguém que “voltava do campo”, um homem simples, apanhado pelo acaso. Foi forçado pelos soldados a carregar a cruz de Cristo. Não há registro de palavras trocadas entre ele e Jesus, apenas o peso da madeira que agora une seus destinos. E é justamente nessa ausência de diálogo que a homilia encontra uma poderosa chave de leitura: a cruz é o ponto de contato. Ela fala quando não há palavras. Ela une quando os corações ainda hesitam.
A ambivalência do gesto de Simão – carregando por obrigação, mas sendo envolvido na Paixão – nos convida a examinar o nosso próprio coração. Quantas vezes realizamos gestos de ajuda sem entusiasmo, por dever ou cansaço? Contudo, mesmo nesses gestos forçados, Deus nos alcança e nos envolve no mistério do seu amor, pois, como lembra a homilia, “ninguém é estrangeiro” diante da cruz de Cristo.
O silêncio que ensina
O contraste entre os dois Simões – Simão Pedro, que fala, promete e falha, e Simão de Cirene, que age em silêncio – evidencia uma lição valiosa. A verdadeira fé não se mede apenas pelas palavras, mas pela disposição de tocar o sofrimento do outro. A homilia nos provoca a nos colocarmos no lugar do Cireneu: o que sentimos ao carregar uma cruz que não é nossa? Raiva? Comprometimento? Indiferença? Compaixão?
Esse questionamento leva a um apelo mais profundo: a cruz de Jesus não é apenas símbolo de sofrimento, mas sinal concreto de um amor que abraça toda a humanidade. E Simão, mesmo sem entender plenamente, se tornou testemunha desse amor redentor.
Hoje também há muitos cireneus
A meditação se amplia com um olhar sobre o mundo atual: quantos são hoje os que carregam a cruz de Cristo nos ombros? Os pobres, os migrantes, os doentes, os que enfrentam guerras, miséria, abandono. A homilia interpela: vemos o rosto de Cristo nesses nossos irmãos? Somos capazes de reconhecer que o Calvário não é apenas uma colina em Jerusalém, mas um caminho percorrido todos os dias por milhões de inocentes?
A cruz, então, torna-se compaixão quando estendemos a mão aos que não conseguem mais seguir sozinhos, quando nos aproximamos dos caídos, quando confortamos os desanimados. Carregar a cruz de Cristo é, portanto, participar ativamente do seu amor redentor, é sermos Cireneus na vida cotidiana, especialmente diante do sofrimento alheio.
Levar a cruz no coração
Por fim, a homilia culmina em um apelo direto e concreto: “Durante esta Semana Santa, escolhamos como levar a cruz: não ao pescoço, mas no coração.” Uma frase simples, mas profundamente transformadora. O convite é a não reduzirmos a cruz a um adorno ou símbolo exterior, mas a torná-la presença viva e operante em nossa vida, abrindo espaço interior para a misericórdia.
A cruz deve ser levada não apenas por nós mesmos, mas também pelos que caminham ao nosso lado, sobretudo pelos que sofrem e precisam de amparo. Talvez a pessoa que a vida nos faz encontrar não seja mero acaso, mas uma convocação providencial para sermos presença de Deus em sua vida.
Conclusão
Ao meditar sobre a figura de Simão de Cirene, o Papa Francisco, por meio das palavras lidas pelo Cardeal Sandri, oferece não apenas uma leitura espiritual da Paixão, mas um caminho concreto de vivência cristã. Ele nos recorda que cada um pode ser Cireneu, mesmo sem querer, e que a salvação se faz presente nas pequenas e grandes cruzes do cotidiano.
Na travessia da Semana Santa, este chamado ressoa com força: acolher a cruz no coração, permitir que ela nos transforme em instrumentos de compaixão, e reconhecer no outro – especialmente no que sofre – o rosto de Cristo. Assim, preparados com humildade e solidariedade, chegaremos à verdadeira alegria da Páscoa.
“Preparemo-nos para a Páscoa do Senhor tornando-nos cireneus uns dos outros.” – Papa Francisco
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HOMILIA DO PAPA FRANCISCO LIDA PELO CARDEAL LEONARDO SANDRI
Praça São PedroDomingo, 13 de abril de 2025
«Bendito seja o Rei que vem em nome do Senhor» (Lc 19, 38). É assim que a multidão aclama Jesus durante a sua entrada em Jerusalém. O Messias passa pela porta da Cidade Santa, aberta de par em par para acolher Aquele que, poucos dias depois, por ela sairá amaldiçoado e condenado, carregando a cruz.
Hoje também nós seguimos Jesus, primeiro numa procissão festiva e depois num caminho doloroso, inaugurando a Semana Santa que nos prepara para celebrar a paixão, morte e ressurreição do Senhor.
Enquanto observamos, no meio da multidão, os rostos dos soldados e as lágrimas das mulheres, a nossa atenção é atraída por um desconhecido, cujo nome entra inesperadamente no Evangelho: Simão de Cirene. Este homem é conduzido pelos soldados, que «carregaram-no com a cruz, para a levar atrás de Jesus» (Lc 23, 26). Naquele momento, ele voltava do campo, estava de passagem, e deparou-se com um acontecimento que o oprimiu, tal como a madeira pesada sobre os seus ombros.
No caminho para o Calvário, façamos um instante de reflexão sobre o gesto de Simão, procuremos o seu coração, sigamos os seus passos ao lado de Jesus.
Primeiramente, reflitamos sobre o seu gesto, que é tão ambivalente. Por um lado, o Cireneu é obrigado a carregar a cruz: não ajuda Jesus por convicção, mas por obrigação. Por outro lado, vê-se a participar pessoalmente na Paixão do Senhor. A cruz de Jesus torna-se a cruz de Simão. Mas não daquele Simão chamado Pedro, que tinha prometido seguir sempre o Mestre. Aquele Simão desapareceu na noite da traição, após ter dito: «Senhor, estou pronto a ir contigo até para a prisão e para a morte» (Lc 22, 33). Agora, atrás de Jesus, não caminha o discípulo, mas este cireneu. E, contudo, o Mestre tinha ensinado claramente: «Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me» (Lc 9, 23). Simão da Galileia fala, mas não faz. Simão de Cirene faz, mas não fala: entre ele e Jesus não há diálogo, não se diz uma palavra. Entre ele e Jesus há apenas o madeiro da cruz.
Para saber se o Cireneu socorreu ou não gostou do exausto Jesus, com quem teve de dividir a pena, para compreender se carrega ou suporta a cruz, é preciso olhar para o seu coração. Enquanto o coração de Deus está prestes a abrir-se, trespassado por uma dor que revela a sua misericórdia, o coração do homem permanece fechado. Não sabemos o que habita no coração do Cireneu. Coloquemo-nos no seu lugar: sentimos raiva ou piedade, tristeza ou aborrecimento? Se nos lembramos do que Simão fez por Jesus, lembremo-nos também do que Jesus fez por Simão – e fez também por mim, por ti, por cada um de nós: redimiu o mundo. A cruz de madeira, que o Cireneu carrega, é a de Cristo, que carrega o pecado de todos os homens. Carrega-o por nosso amor, em obediência ao Pai (cf. Lc 22, 42), sofrendo conosco e por nós. É precisamente este o modo inesperado e perturbador com que Cireneu é envolvido na história da salvação, em relação à qual ninguém é estrangeiro, ninguém é estranho.
Sigamos então os passos de Simão, pois eles nos ensinam que Jesus vem ao encontro de todos, em qualquer situação. Quando vemos a multidão de homens e mulheres que o ódio e a violência levam para o caminho do Calvário, lembremo-nos que Deus faz deste caminho um lugar de redenção, porque ele o percorreu dando a sua vida por nós. Quantos cireneus carregam a cruz de Cristo! Somos capazes de reconhecê-los? Vemos o Senhor nos seus rostos dilacerados pela guerra e pela miséria? Perante a injustiça atroz do mal, carregar a cruz de Cristo nunca é em vão, é antes a forma mais concreta de partilhar o seu amor salvador.
A paixão de Jesus torna-se compaixão quando estendemos a mão àqueles que já não aguentam mais, quando levantamos os que caíram, quando abraçamos os que estão desanimados. Irmãos, irmãs, para experimentar este grande milagre da misericórdia, escolhamos como levar a cruz, durante a Semana Santa: não ao pescoço, mas no coração. Não só a nossa, mas também a daqueles que sofrem ao nosso lado; talvez a daquela pessoa desconhecida que o acaso – Mas será mesmo o acaso? – nos fez encontrar. Preparemo-nos para a Páscoa do Senhor tornando-nos cireneus uns dos outros.
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