Discurso do Santo Padre Francisco para os participantes do curso para reitores e formadores dos Seminários da América Latina.
É necessário prestar atenção, pois vossa missão não é formar "Super-homens", que pretendam conhecer e controlar tudo e serem autossuficiente; pelo contrário, é formar homens que, com humildade, seguem o processo escolhido pelo Filho de Deus, que é o caminho da encarnação.
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16.11.2022 18:02:52 | 10 minutos de leitura

Tenho o prazer de saudar a todos vocês, participantes do Curso de Reitores e Formadores dos Seminários da América Latina, que vieram de quase todos os países do continente e do Caribe. Estendo minha saudação aos colaboradores do Dicastério para o Clero, que organizou o curso.
Toda a formação sacerdotal, em particular a dos futuros pastores, está no centro da evangelização, dado que nas próximas décadas serão eles, respondendo a uma genuína vocação específica, a de animar e guiar o povo santo de Deus, para que seja “em Cristo sacramento ou sinal e instrumento de íntima união com Deus e da unidade de todo gênero humano". Quanto é necessária uma formação de qualidade para aqueles que serão presença sacramental do Senhor no meio de seu rebanho, alimentando-o e cuidando-o com a Palavra e com os Sacramentos!
Nesse sentido, gostaria de sublinhar que a Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis, "o dom da vocação presbiteral", mantém a grande contribuição dada pela Exortação Apostólica Pastores Dabo Vobis, o qual este ano transcorre o 30º aniversário da sua publicação por São João Paulo II, após a VIII Assembleia Geral Ordinária dos Bispos, que abordou o tema "a formação de padres nas circunstâncias atuais". Essa exortação oferece explicitamente uma visão antropológica integral, que leva em consideração, de maneira simultânea e equilibrada, as quatro dimensões presentes na pessoa do seminarista: humano, intelectual, espiritual e pastoral. Por outro lado, a mesma Ratio Fundamentalis reafirma a perspectiva do meu estimado antecessor, o Papa Bento XVI, que com o Motu próprio Ministrorum Institutio destacou que a formação dos seminaristas continua, de maneira natural, na formação permanente dos sacerdotes, ambos constituindo uma só realidade.
Eu também gostaria de enfatizar que uma das grandes contribuições da atual Ratio Fundamentalis é que ela descreve o processo formativo dos sacerdotes, desde os anos de seminários, a partir das quatro notas características da formação, que é apresentada como única, integral, comunitária e missionária.
Nesse sentido, gostaria de me deter para enfatizar que a formação sacerdotal "tem um caráter eminentemente comunitário desde sua origem; a vocação para o presbiterado, de fato, é um presente que Deus faz à Igreja e ao mundo, um caminho de santificar-se e santificar os outros que não devem ser percorridos de uma maneira individualista, mas sempre tendo como referência uma parte concreta do povo de Deus "(rfis, Introdução, n. 3).
Nesse contexto, permito-me de indicar-vos que um dos desafios mais importantes que hoje tens que enfrentar nas casas de formação sacerdotal é ser verdadeiras comunidades cristãs, o que implica não apenas um projeto de formação coerente, mas também um número adequado de seminaristas e formadores que garantem experiência verdadeiramente comunitária em todas as dimensões da formação. Esse desafio exige, não raramente, de comprometer-se a criar ou consolidar seminários interdiocesanos, estaduais ou regionais. É uma tarefa que os bispos devem assumir em sinodalidade, em particular a nível das conferências episcopais regionais ou nacionais, uma tarefa à qual são chamados a colaborar com lealdade e eficácia.Para esse fim, queridos sacerdotes formadores, é necessário renunciar a inércia e os protagonismos e começar a sonhar juntos, e não chorando pelo passado, não sozinho, mas unidos e abertos ao que o Senhor hoje deseja como formação para as próximas gerações dos sacerdotes inspirados das diretrizes atuais da Igreja.
Estou feliz que, durante estes dias, vocês estejam refletindo sobre diferentes aspectos da formação inicial, focando na dimensão humana e como ela é integrada às outras dimensões, isto é, espiritual, intelectual e pastoral.
De fato, no seio da comunidade cristã, o Senhor chama alguns de seus discípulos para serem sacerdotes, ou seja, ele escolhe algumas ovelhas de seu rebanho e as convida a serem pastores de seus irmãos e irmãs. Não devemos esquecer que nós, sacerdotes, fomos "tirados entre os homens ... pelo bem dos homens nas coisas relativas a Deus" (Cf. Hb 5, 1). Somos "condiscípulos" dos outros fiéis cristãos e, precisamente por esse motivo, compartilhamos as mesmas necessidades humanas e espirituais e, ao mesmo tempo, estamos sujeitos à mesma fragilidade, limites e erros.
Nos seminaristas, como em cada um de nós, dois aspectos interagem e coexistem que devem complementar-se mutuamente: os dons da graça e as características da natureza ferida; o serviço que vocês devem fazer é precisamente unir ambas as realidades em um caminho de fé e maturação integral (cf. rfis, n. 28).
É necessário prestar atenção, pois vossa missão não é formar "Super-homens", que pretendam conhecer e controlar tudo e serem autossuficiente; pelo contrário, é formar homens que, com humildade, seguem o processo escolhido pelo Filho de Deus, que é o caminho da encarnação.
Sim, em virtude da encarnação do Filho de Deus, encontramos em nosso Mestre, Deus e homem verdadeiro, não apenas exemplos de humanidade renovados para imitar, mas também a possibilidade de entrar em uma comunhão vital com Ele da qual nossa existência é curada e elevada a uma nova humanidade. O Senhor torna possível que o imitemos e sigamos seus passos, já que ele comunica o dom de sua graça, que é capaz de transformar tudo o que somos: "Alma, corpo e espírito" (cf. 1Ts 5, 23), segundo seu plano de plenitude para cada um de nós.
A dimensão humana da formação sacerdotal não é, portanto, uma mera escola de virtudes, de crescimento da própria personalidade ou de desenvolvimento pessoal, mas também e sobretudo, implica uma maturação integral da pessoa aprimorada pela graça de Deus que, tendo em conta os condicionamentos biológicos, psicológicos e sociais de cada um, é capaz de transformá-los e eleva-los, especialmente quando a pessoa e as comunidades se esforçam para colaborar com ela (a graça) de forma transparente e sincera. Por fim, as autênticas motivações vocacionais, ou seja, o seguimento ao Senhor e a instauração do Reino de Deus, são a base de um processo que é ao mesmo tempo humano e espiritual.
Nesse sentido, uma das tarefas mais importantes no processo de formação de um sacerdote é a leitura gradual, da sua própria história, com olhos de fé. Essa visão providencial do próprio caminho, é o principal assunto do discernimento pessoal e eclesial da própria vocação. De fato, todo seminarista primeiro, e cada sacerdote depois, com diferentes tonalidades e acentos, deve atualizá-lo constantemente, especialmente nas circunstâncias mais significativas de sua jornada sacerdotal (cf. rfls n. 59 e 69). A confrontação com aqueles que o acompanham nesse processo, tanto no foro interno quanto no foro externo, permitirá que ele vença qualquer tentação de autoengano subjetivista e permitirá a avaliação de perspectivas muito mais amplas e objetivas.
Também devemos estar cientes do impacto formativo que a vida e o ministério dos formadores exercem sobre seminaristas. Os formadores educam com suas vidas, mais do que com suas palavras.
Obviamente, a sã maturação humana coerente com a consolidação da própria vocação e missão, que inclui a superação normal de dificuldades e períodos de crise, permite ao sacerdote formador de renovar constantemente a base na qual se fundamenta a sua configuração a Cristo, Servo e Bom Pastor, e também lhe fornece instrumentos mais eficazes para o exercício de seu serviço no seminário, tanto com os candidatos em relação ao processo de discernimento quanto aos outros formadores do grupo formativo e dos outros agentes de formação. De fato, a harmonia humana e espiritual dos formadores, em particular do reitor do seminário, é uma das mediações mais importantes no acompanhamento formativo.
Um dos indicadores de maturação humana e espiritual é o desenvolvimento e a consolidação da capacidade de escuta e da arte do diálogo, que são naturalmente ancorados a uma vida de oração, onde o sacerdote diariamente entra em diálogo com o Senhor, mesmo em momentos de aridez e incerteza. Para o serviço que um presbítero presta a seus irmãos e irmãs, em particular para o trabalho de um formador, a disposição de escuta e simpatizar com os outros, mais do que um instrumento de evangelização, é precisamente nesse âmbito onde germina, floresce e dá frutos.
Em resumo, a vida do formador, seu constante crescimento humano e espiritual como discípulo-missionário de Cristo e como sacerdote, apoiado e promovido pela graça de Deus, é sem dúvida o fator fundamental que ele dispõe para dar eficiência ao seu serviço aos seminaristas e aos outros sacerdotes em sua configuração a Cristo, servo e Bom Pastor. De fato, sua própria vida testemunha o que suas palavras e gestos tentam transmitir no diálogo e na interação com seus interlocutores na formação.
Caros sacerdotes, estou ciente de que o serviço que prestam à igreja não é simples e não raramente desafia a própria humanidade, porque o formador tem um coração de cem por cento humano e não raramente pode sentir frustração, cansaço, raiva e impotência; daí a importância de recorrer a Jesus todos os dias, ajoelhar-se na sua presença aprendendo dele que é manso humilde de coração, de modo que pouco a pouco o nosso coração aprenda a bater ao ritmo do coração do Mestre.
As páginas do Evangelho, especialmente aquelas que nos oferecem pinceladas da vida de Jesus com seus discípulos, permitem ver como Jesus sabia como estar presente ou ausente, ele sabia qual era a hora para corrigir ou louvar, o tempo para acompanhar ou a oportunidade de enviar e deixar os apóstolos enfrentarem o desafio missionário. É entre estes que poderíamos chamar de "intervenções formativas" de Cristo que Pedro, André, Tiago, João e os outros chamados, tornaram-se discípulos reais e configuraram, pouco a pouco, seu coração ao do Senhor.
Há pouco tempo, sublinhei o papel formativo do reitor do seminário em relação a seus irmãos do grupo de formação e na capacidade de corresponsabilidade de todos na própria formação sacerdotal. O reitor deve mostrar uma preocupação constante para cada um dos formadores, mantendo um diálogo aberto e sincero em relação à sua vida e serviço, sem deixar de ecoar aqueles aspectos mais pessoais dos quais muitas vezes depende a superação dos problemas que podem surgir no interior do grupo formativo. Lembre-se de que os formadores são para o reitor do seminário seus irmãos mais próximos, a quem o exercício da caridade pastoral deve ser privilegiado.
Por outro lado, a formação sacerdotal tem como instrumento privilegiado o acompanhamento formativo e espiritual de todos os formadores do seminário em relação a todos e a cada um dos seminaristas, a fim de garantir que eles tenham uma vasta e diversificada ajuda da comunidade formativa, sem exclusivismos ou particularismos, podendo ter a possibilidade de serem ajudados por sacerdotes de diversas idades e diferentes sensibilidades, de acordo com as habilidades específicas de cada um deles, para que cada futuro pastor possa discernir e consolidar não apenas uma vocação genuína para o presbiterado, mas também a maneira pessoal e irrepetível que o Senhor traçou para que o viva e o exerça.
Contribuem com acompanhamento formativo outras pessoas que ajudam os seminaristas no seu crescimento humano e espiritual. São lembrados os agentes responsáveis pelas experiências pastorais realizadas durante a formação inicial, em particular os párocos, bem como os especialistas que são chamados a colaborar quando necessário (cf. RFIs, n. 145-147).
Caros formadores, vos expresso novamente a gratidão da Igreja porque dedicam vossas vidas e seu ministério a futuros pastores, que serão seus irmãos no presbitério e que, unidos e sob a orientação do bispo, lançarão as redes do Evangelho como autênticos pescadores de homens. Que Maria Santíssima, Mãe dos sacerdotes, os encoraje e os acompanhe em sua missão.
Por favor, não se esqueçam de rezar por mim. Obrigado.____________________________________
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